segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Morreu Dr Joaquim, o médico, pesquisador, teatrólogo e folclorista

Dr Joaquim era mais conhecido como pesquisador e teatrólogo do que como médico.

Desde 1988, ele atuou nas cidades do Vale do Jequitinhonha: Berilo, Chapada do Norte, Comercinho, Itinga e Jenipapo de Minas.


Foto: divulgaçãoMédico e folclorista dr. Joaquim é sepultado em Pesqueira

Com seu jeito diferente conquistou as populações pobres do Vale.

DR. JOAQUIM SOUTO FILHO, MÉDICO E TEATRÓLOGO MORRE EM RECIFE AOS 64 ANOS

Dr Joaquim tocando tambor, vivendo a cultura popular do Vale do Jequitinhonha.
Texto de Maurício Costa, professor de Chapada do Norte, Médio Jequitinhonha, nordeste de Minas.
Faleceu na madrugada de 22 de Agosto de 2015, em Recife, aos 64 anos de idade, o médico, pesquisador, ativista cultural e teatrólogo Dr. Joaquim Souto Filho. Segundo informações de familiares presentes no local do óbito, o médico faleceu devido a complicações causadas por uma infecção generalizada proveniente da Diabete. 
Há anos Dr. Joaquim vinha lutando contra a doença. Seu velório está marcado para acontecer ainda neste dia 22 de agosto e o enterro será em sua cidade natal, Pesqueira, em Pernambuco. 
A notícia de seu falecimento chegou horas depois na manhã de um sábado cinzento e com ar triste, deixando nos chapadenses uma dor forte no peito e a sensação de terem perdido alguém da família. 
E realmente o foi, pois ele era o médico, o amigo, o conselheiro, o pai, o professor... Um mestre na vida daqueles com os quais conviveu um dia. O médico Dr. Joaquim chegou ao Vale do Jequitinhonha em 1988, em Berilo. No ano seguinte foi trabalhar na cidade de Chapada do Norte, no Médio Jequitinhonha, nordeste de Minas, já em janeiro de 1989, logo no início da administração do então prefeito Roosevelt de Oliveira. 
Presença simples, colorida e de histórias
E rapidamente conquistou a população chapadense com seu perfil diferente dos outros profissionais da área que já tinham passado no município: andava com sandálias de couro, boné, bolsa no ombro e vestia-se de forma simples (calças jeans e camisas largas com pinturas feitas por ele). 
Nas consultas era extrovertido, aconselhava, ás vezes chamava atenção do paciente, fazia observações pertinentes nas receitas e em alguns casos engraçadas. Logo se tornou popular. E muito querido pela população. Considerado bom médico, era muito procurado. Falava a “língua” dos pacientes.  
Eternizou expressões como “viúvas de maridos vivos” (uma referência aos esposos que se ausentavam dos seus lares para trabalhar no corte de cana, na colheita do café, em serviços braçais no estado de São Paulo ou qualquer outro emprego fora da cidade por um longo tempo), “beatas” (uma brincadeira com as senhoras que prestam serviços á igreja católica) e frases como “Você está me entendendo?”, "Diga?" e “Presta atenção!”. Não media palavras, falava o que pensava, doa a quem doer. 
Mas seu carisma foi mais forte. Tornou-se um chapadense natural de Pesqueira. Tinha sempre uma novidade para contar aos amigos que encontrava na rua. Era necessário tempo para ouvi-lo relatar algum assunto. Em algumas ocasiões nem tinha nada para contar, mas quando encontrava os amigos, chamava e ficava enrolando, voltando em assuntos já discutidos. Tudo por uma boa prosa. 
Preocupação ambiental
Visionário, já dizia, em 1989, que o Rio Capivarí que abastece a cidade, iria secar e que tínhamos que nos preparar para essa dificuldade. Na época, o rio possuía água em abundância e era difícil imaginá-lo seco. Mas, hoje ele está praticamente sem água. Dr. Joaquim também disse algumas vezes que a Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos iria um dia deixar de ser apenas nossa e atingir maiores alcances e que por isso deveríamos estar atentos para manter sua história e tradição. E ela virou Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do Estado de Minas Gerais. 
Trabalhou em outros municípios depois, como em Itinga e Comercinho, também no Vale do Jequitinhonha, mas seu coração o guiava de volta a Chapada do Norte. 
Apoio e incentivo à Congada
Foi o idealizador das Festas de Nossa Senhora do Rosário na comunidade Córrego da Misericórdia e da Festa de São Cristóvão em Chapada do Norte. E também da Festa do Pai Joaquim, em Jenipapo de Minas. Todas são realizadas anualmente e a cada ano crescem em participação popular. Também foi um grande incentivador do grupo Congada de Nossa Senhora do Rosário, mais conhecida como Congada da Misericórdia. Ajudou a divulgar o trabalho dos congadeiros e contribuiu de várias maneiras para a continuidade deles. 
Com a saudosa Eva Luiz, conhecida popularmente como Eva Congadeira, fez uma parceria de sucesso. Conduziu-a  a várias cidades mineiras e, em 1995, a sua terra natal Pesqueira juntamente com outros chapadenses (Maurício, Emerson, Pedrelina e seu irmão Gilson). Levaram aos pernambucanos um pouco da história e da cultura chapadense. 
Com a morte da congadeira, permaneceu fiel ao grupo e foi fundamental para que a senhora Geni assumisse o posto de rainha da congada e levasse a frente os trabalhos do grupo.
Tinha também muito carinho com os Tamborzeiros do Rosário e forte ligação com os demais grupos folclóricos do município. 
Rádio Comunitária Curutuba
Dr. Joaquim também foi o fundador da Rádio Comunitária Curutuba que fez enorme sucesso em Chapada do Norte com uma programação informativa, musical, religiosa e de entretenimento. E fez com que os adolescentes do seu grupo assumissem a responsabilidade de serem locutores e diretores da estação sonora. Entre eles estavam Edinaldo Soares, Adilton Lourenço, Ricardo Soares, Geraldo Nascimento, Geraldo Praxedes, Valcy Carvalho, Maurício Costa, Marta Rocha, Arislene Torres e outros. 
Por um longo período bancou tratamento dentário de crianças do grupo, nos anos 90. Sempre pensando no bem dos seus alunos. E fez por eles outras benfeitorias muito maiores, sendo fundamental na formação de cidadãos conscientes e dignos. 
Grupo do Bairro Céu Azul
Nos últimos anos, residia no bairro do Céu Azul, e lá, através da Fundação de Cultura Joaquim Souto Filho montou uma grande equipe (crianças, adolescentes e senhoras) e juntos estavam fazendo muito pela cultura local.  Com a comunidade do Bairro Céu Azul faziam apresentações nas escolas que o solicitavam, na rua e na casa de moradores de lá. Unidos, estavam sempre planejando algum evento.
Incansável, enviou vários ofícios ao governador do Estado de Minas Gerais, sempre solicitando algum benefício ou reconhecimento á cultura chapadense. E sempre recebia respostas. E foi em um destes ofícios que conseguiu com que a imagem de Nossa Senhora do Rosário fosse restaurada. 
Último trabalho teatral
Em 2014, estava organizando um grande evento que batizou como "Noite Cubana-Cuba de Lá e Cuba de Cá", um intercâmbio entre a cultura dos médicos cubanos que trabalham no município com a cultura da comunidade rural chapadense do Cuba. Já tinha fechado parceria com algumas secretarias municipais e escolas. Mas a morte trágica do senhor Donizete, pai do Marcone Evangelista, às véspera do evento, fez com que dr. Joaquim cancelasse o intercâmbio cultural. 
Religioso eclético
Religioso eclético, em sua casa nos apresentava estudos sobre Iemanjá, sobre o Preto Velho e sobre Nossa Senhora do Rosário. Dr. Joaquim queria o melhor para a Festa de Nossa Senhora do Rosário, como queria para o terreiro de Umbanda que realiza sessões em determinadas Quintas Feiras. Amava e respeitava todas as religiões. Priorizava quando possível a realização de cultos ecumênicos. 
No dia 08 de Setembro de 2013 realizou junto com o Monsenhor Fabrizzio Fonseca da Paróquia Santa Cruz e com a participação de várias lideranças um ato ecumênico pela paz no mundo. 
Peças de teatro
Recentemente na noite de 07 de Junho deste ano Dr Joaquim esteve na Casa de Cultura Corina Badaró com o Grupo Teatral Curutuba onde realizaram a encenação da peça “O casamento da dona Baratinha”. O médico estava alegre, fez brincadeiras com o público durante a apresentação da peça e ao final convidou dois ex integrantes do seu grupo: Maurício Costa e Nilza Carvalho para irem à frente e falarem o que acharam da apresentação. 
Sineval Aguilar, caminhoneiro e ex-vice-prefeito, também foi convidado e fez suas observações sobre a apresentação. Logo nos seus primeiros dias na cidade (em Janeiro de 1989) montou o “Grupo Teatral Vida” formado por adolescentes como Geraldo José Praxedes, o saudoso Reginaldo de Assis, Elizete Fernandes, Élida Cristiane Costa, Geralda Lourenço, o atual prefeito de Chapada do Norte, Ronaldo Lourenço Santana, Edinalva Fernandes, Jairo Soares, Deneval Lourenço entre outros adolescentes chapadenses.  E após a primeira apresentação na cidade vizinha de Berilo MG, resolveu encerrar o grupo e montou outro logo em seguida: o Grupo Teatral Esperança onde permaneceram Geraldo e Reginaldo e entraram muitos outros: Maurício Costa, Emerson Costa, Ideralice e Idalmo Oliveira, Fabiane e Lizziane Vissotto, Poliana Aguillar, Cirlene e Célia de Matos, Custódia da Natividade, José Carlos (Zé do Barro), Alex e Alessandra Oliveira, Cynthia Cayres, Lillian Oliveira, Márcia Santana, Juliana e Júlio Ribeiro, Flávia Augusta, Iolanda Evangelista, Ione Carvalho, Paula, entre muitos outros adolescentes. 
Certo dia, em meados de 1989, dr. Joaquim reuniu os integrantes do grupo para informar que iria alterar o nome de “Esperança” para “Curutuba”. Era o jeito de nos ensinar que devíamos aprender a valorizar a história da nossa terra. O grupo teatral Curutuba fez várias apresentações com essa formação em Chapada do Norte, sempre com casa cheia e também em cidades vizinhas como Berilo, Minas Novas, Virgem da Lapa, Turmalina, Araçuaí, Diamantina e outras. As apresentações eram no início em sua maioria coreografadas: Ave Maria Nordestina, Bendito São José, Ieshuá (Padre Zezinho), La Saeta (Raimundo Fagner), Dio Come Te amo, Zorba o Grego, Hava Nagila, Navio Negreiro do Castro Alves, Renée O Equilibrista, Aquários, Flashdance e peças como Romeu e Julieta, Branca de Neve e os 7 anões, O desespero de Judas e Os três porquinhos. 
Foram várias coreografias e peças teatrais. Nos ensaios ele ensinava a ter responsabilidade, assumir e cumprir compromissos, estudar nossa história e trabalhar em grupo, entre muitos outros ensinamentos. 
Em algumas ocasiões ele reunia a turma toda e fazia a gente assistir filmes como Chorus Line (um musical), Mr. Holand Adorável Professor e Chaplin com Robert Downey Jr. 
Todos transmitiam uma mensagem que ele queria que a gente absorvesse pra vida. E depois desta geração de 1989 inúmeras outras crianças e adolescentes foram integrantes do grupo teatral e tiveram a grande oportunidade de aprenderem com o mestre: Edinaldo Soares, Marcone Evangelista, Nilza Carvalho, Maria Helena Fernandes, Rosa Amélia, Arislene Torres, Everaldo Soares, Francisca Machado, Ana Rita Machado, Jackson Júlio, Paulo Henrique e muitos outros. 
A lista de pessoas que participaram em determinado momento do grupo teatral é extensa, sendo difícil citar todos. Mas há a certeza que todos foram muito felizes por terem tido a oportunidade de conviverem com este mestre. 
Formação de cidadãos conscientes
Embora nunca tenha dito publicamente, era perceptível o orgulho do médico com os rumos que seus pupilos levaram na vida. Muitos deles adolescentes no passado, hoje são professores, escritor, turismóloga,  chefe de família, motoristas, cabeleireira, empresário etc. Ou seja, conquistaram um lugar ao sol.  
O legado deixado por dr. Joaquim para Chapada do Norte será sempre lembrado pela população. Principalmente sua contribuição para a história da cidade. Sem dúvida, um dos forasteiros mais significativos da história chapadense. Quis o destino que ele partisse para uma nova vida exatamente no dia do Folclore, 22 de agosto, que tem tudo a ver com a cultura que tanto defendeu. 
Descanse em paz e obrigado por tudo que fez ao povo chapadense e ao Vale do Jequitinhonha.
Cumpriu com méritos sua missão na Terra!

Texto-depoimento de Mauricio Costa, professor, presidente da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Chapada do Norte, no Médio Jequitinhonha, nordeste de Minas.

Fonte: mauricioapcosta.blogspot.com























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